Livro #190: O fundo é apenas o começo

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Uma poderosa jornada da mente humana, um mergulho profundo nas águas da doença mental. CADEN BOSCH está a bordo de um navio que ruma ao ponto mais remoto da Terra: Challenger Deep, uma depressão marinha situada a sudoeste da Fossa das Marianas. CADEN BOSCH é um aluno brilhante do ensino médio, cujos amigos estão começando a notar seu comportamento estranho. CADEN BOSCH é designado o artista de plantão do navio, para documentar a viagem com desenhos. CADEN BOSCH finge entrar para a equipe de corrida da escola, mas na verdade passa os dias caminhando quilômetros, absorto em pensamentos. CADEN BOSCH está dividido entre sua lealdade ao capitão e a tentação de se amotinar. CADEN BOSCH está dilacerado. Cativante e poderoso, O Fundo é Apenas o Começo é um romance que permanece muito além da última página, um pungente tour de force de um dos mais admirados autores contemporâneos da ficção jovem adulta. (Skoob)
SHUSTERMAN, Neal. SHUSTERMAN, Brendan. O fundo é apenas o começo. Valentina, 2018. 272 p.


"Há duas coisas que você sabe. A primeira: você esteve lá. A segunda: você não pode ter estado lá."

Acho que essa frase resume bem o livro. Você está lá, mas você não pode ter estado lá, mas você está e às vezes não. É totalmente o gato de Schrödinger, o gato morto vivo, sobreposição quântica... entenda como quiser. Ou simplesmente como doença mental.

Você está doente e sabe que está doente, sabe que nada daquilo é real, ao mesmo tempo que sabe que tudo é real, porque é real. Se você acredita que algo é real, então é real. Se você acredita que está no fundo, então você está preso num limbo para toda a eternidade, sem enxergar o tempo passar ou alguma luz chegar em você, por que você lembra? Você está no fundo. E o fundo é apenas o começo. E você está tentando, você se esforça, você não quer ficar ali, mas você não está ali para começo de conversa, então como sair?

"-Por que estou aqui? - pergunto. - Se tudo tem um propósito, com que fim estou neste navio?
Ele volta para suas cartas, escreve palavras e adiciona novas setas sobre o que já está lá, deposita em camadas seus pensamentos tão densos que só ele écapaz de decifrá-los.
-Fim, delfim, golfinho, golfada, entrada, porta: você é a porta para a salvação do mundo.
-Eu? Tem certeza?
-Tanto quanto de estarmos neste trem."

Eu realmente não sei dizer o que Caden tem. No começo, pensei que fosse depressão porque é isso que a sinopse diz (não diz, eu li errado), mas conforme fui lendo outros sintomas vão aparecendo. Ele está em mania, ele está depressivo, ele está tendo alucinações... Cada caso é um caso, como o livro mostra, e nomes são apenas para entender, para que os médicos consigam algum parâmetro para ajudar, e a única coisa que importa é que Caden precisa de ajuda, porque ele não está no controle do navio, apenas navegando sem rumo e sem saber em quem confiar.

Quem é seu amigo? Quem quer o seu bem? Em quem confiar? Quem matar? O papagaio ou o capitão?

Está parecendo um pouco confuso porque estou me sentindo eufórica e não sei como colocar meus pensamentos em ordem, eu sei. Tipo alguém em mania. No livro, há Caden e há Caden, dois personagens que não se conhecem até que o livro avança e percebe que são a mesma pessoa, o mesmo ser, que suas alucinações são a realidade - realidade no sentido que está acontecendo, mas não do jeito que ele imagina, e é isso que você percebe ao ler.

"-E então, por que estou aqui? - pergunto a ele.
-Exatamente - responde o papagaio. - POR QUE você está aqui? Ou devo perguntar: Por que VOCÊ está aqui? Ou talvez: Por que você está AQUI?"

O livro é narrado em terceira e segunda pessoa, mas a transição entre um e outro é tão natural que nem percebi, não me senti nenhum pouco incomodada em nenhum momento, não precisei me acostumar a esse tipo de narração.

Há realidade e fantasia no livro e nada faz sentido ao mesmo tempo que tudo faz. Eu amei a escrita, a confusão ordenada dela. Há ordem no caos. Você percebe isso pelos desenhos confusos, que foram feitos pelo filho do autor quando ele estava fundo demais, como ele tenta comunicar o que sente, porque quando você entende o que as imagens querem dizer, você o entende; enquanto você ler, você o entende.

Você entende quem são os personagens em seus delírios, você cria suposições e entra na mente de Caden e pensa como ele e começa acreditar no que ele diz, começa a perceber como é tão difícil separar realidade de alucinações, porque há ordem no caos e a luz e a escuridão estão lutando sempre e para sempre, e são tão apaixonadas uma pela outra que não conseguem ficar separadas.

"(...) eles não veem o que você vê quando olha nos olhos deles. Verdades que ninguém mais pode ver. Conspirações e conexões tão distorcidas e pegajosas como a teia de uma viúva-negra. Você vê demônios nos olhos do mundo, e o mundo vê um poço sem fundo nos seus."

Meu Deus. É lindo. Eu me senti... não triste, mas tão oprimida ao ler, tão pesada, aquela sensação de estar tão fincada em algo que perdesse de vista o que importa. Eu estava tendo algumas semanas péssimas e nem estava percebendo isso; quando eu percebi foi... uma leveza impressionante. Não estou comparando o que eu estava sentindo com o de Caden, nem de longe é daquele jeito, mas todos tem sua dificuldade e é tão ruim ver isso, tão difícil, e saber, perceber, não torna mais fácil, é apenas mais um passo para baixo para tomar impulso para cima, porque o fundo pode ser apenas o começo, pode ficar pior a cada momento, mas nada o impede de ser o começo para algo melhor, porque se ele é o começo, não pode ser o fim.

Gostaria de fazer uma observação adicional de o que for que você esteja sentindo é válido, não se menospreze. Talvez não seja algo grande do tipo do Caden, como eu disse, mas está tudo bem não está bem; você pode ficar ruim por um simples resfriado ou por algo mais complicado como uma tuberculose, por exemplo, a questão não é o tamanho, mas o simples fato de não estar bem. Se você está se sentindo mal, se você não sabe o que está sentindo, se você apenas sente que algo não está certo, procure ajuda.

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