Livro #203: O papel de parede amarelo
Uma mulher fragilizada emocionalmente é internada, pelo próprio marido, em uma espécie de retiro terapêutico em um quarto revestido por um obscuro e assustador papel de parede amarelo. Por anos, desde a sua publicação, o livro foi considerado um assustador conto de terror, com diversas adaptações para o cinema, à última em 2012. No entanto, devido a trajetória da autora e a novas releituras, é hoje considerado um relato pungente sobre o processo de enlouquecimento de uma mulher devido à maneira infantilizada e machista com que era tratada pela família e pela sociedade. (Skoob)
Sabe um livro que você sabe, apenas sabe, que vai amar só por ler o prefácio? Isso aconteceu comigo duas vezes. Uma, ao ler o primeiro livro de Sherlock Holmes, escrito pelo próprio Sir, e agora com O papel de parede amarelo.
Tiburi faz uma apresentação magnífica do livro, que me fez ansiar por ele, como a própria protagonista do livro anseia por rasgar o papel de parede do seu quarto e se livrar dele. Eu sabia de duas coisas ao terminar de ler essa apresentação (dois parece ser o meu número mágico, embora não seja o meu preferido), que eu ia gostar e que eu iria fazer tantas metáforas e, cara, eu não estava errada.
Eu comecei o primeiro capítulo já pensando que ela era a casa (meio que uma versão de Mãe com Jennifer Lawrence), porque ela não gosta de falar de si, mas adora falar sobre a casa. E o papel! O papel de parede amarelo que a fascina e a assusta.
"Nunca vi tanta expressão em uma coisa inanimada, e todos sabemos quanta expressão essas coisas têm."
No conto, a protagonista de nome desconhecido escreve um diário, onde relata seus sentimentos para com a casa de campo e o papel de parede amarelo do seu quarto, apesar das opiniões contrárias de seus médicos, seu marido e seu irmão. Segundo eles, ela tem depressão nervosa passageira; segundo eles, escrever seria muito trabalho e ela não deveria se cansar.
Tem umas partes que eu fiquei em dúvida se era sinceridade ou sarcasmo - eu preferi escolher o sarcasmo, porque se não iria querer entrar no livro para agredir a protagonista. Mas não consegui me enganar. Durante a leitura, você percebe que ela realmente acredita nisso e então que ela está se revoltando, que não quer mais, que ela prefere rastejar a estar presa.
A autora fez um trabalho magnífico nesse livro, mostrando que uma história não se atem ao número de palavras, porque esse é um conto minúsculo (como todos os contos são), mas tão profundo, te faz refletir tanto. Ele é uma mistura de feminismo e meio que um triller. É assustador. De um jeito bom. Que eu recomendo.
"Nos pontos mais iluminados ela se mantém quieta, e nos pontos mais sombrios segura as grades e as sacode com força.E o tempo todo tenta escapar. Mas não há quem consiga atravessar esse padrão - ele é asfixiante."
A partir desse momento, não vai ser mais uma resenha e, sim, uma discussão sobre a história, porque é tão interessante e eu gosto de escrever e quero falar sobre o assunto e contar spoilers.
Enfim, minha opinião sobre as metáforas que li e o que acredito que são metáforas. Eu já disse que a casa é ela, mas deixei de fora o fato de que o papel de parede é o papel social dela, que está grudado em seu ser, embora algumas partes tenham saído, tenham sido rasgadas com o tempo.
No decorrer da história, o papel de parede a assusta até que ela se sente afeiçoada, de forma gradual; e ela começa a enxergar algo por trás do primeiro plano, ela começa a ver que existe mais do que o papel de mulher e esposa que a sociedade mostra, que está presa como se atrás de uma grade, ela ver uma mulher rastejando por baixo de tudo isso.
E a protagonista quer libertá-la, deseja que ela rasteje livremente.
"(...) há tantas mulheres rastejando, e elas rastejam tão depressa! "
O que eu achei mais interessante foi isso, o uso da palavra rastejar. Ela começa a ver a mulher rastejando em todo canto depois de um tempo, não sendo mais contida ao papel de parede e à noite, o único momento que pode encarar o papel e vê-la; ela começa a ver a mulher rastejando toda vez que olha numa janela, e nas sombras também, escondendo-se de todos que se aproximam.
E ela deseja que a mulher rasteje livremente, não somente a noite, não apenas num papel de parede e em sua imaginação.
E rastejar.
Eu já disse o quanto gostei disso. Minha tradução dessa metáfora é que a mulher nesse contexto histórico (atualmente também, em alguns casos, infelizmente) rasteja, é algo menos que um ser humano, algum tipo de verme, que rasteja e é menosprezado. Mas ela prefere rastejar do que está presa, do que ter pessoas que digam o que ela pode e não pode fazer. Que é o que o marido faz.
Que marido desgraçado! E como a pessoa fica irritada, com todo o seu uso de meu amor e tolinha, tratando-a daquela forma infantil, como se ela não tivesse escolha, não fosse sua própria sujeita! O que, sim, naquele tempo ela realmente não era. Ali, as mulheres eram ensinadas a pensar em si como um objeto dócil e decorativo, sempre concordando e fazendo tudo que seu marido, seu senhor, pedisse.
"Fico imaginando: e se todas saírem do papel de parede como eu saí?"
Minha nossa. Sério. Nunca li um livro tão pequeno que me fizesse pensar tanto. Ele ainda não saiu da minha cabeça e só consigo teorizar sobre o que significa e pode significar em cada pequeno trecho. Eu realmente não esperava gostar desse livro desse jeito, de me envolver tanto e refletir sobre os acontecimentos, pensar além do que está sendo dito e mostrando, onde realidade, fantasia e crítica se entrelaçam.
Leiam, leiam, leiam. Tire alguns minutos, pouco menos de uma hora, para apreciar essa maravilha.
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